Acerca desta (literalmente) gratuita campanha da BBDO muito haveria a dizer. Sem querer aventurar‑me para além da visão tolhida deste olho e meio, alinhavo alguns elementos para debate e reflecção:
- A fundamentação da campanha Europe’s West Coast parece‑me competente. Bom slogan (e boa variação deste: «Wild west»), boa edição fotográfica, bom tipo de letra, até mesmo alguma continuidade com as campanhas do ICEP. Já a análise subjacente, de que somos vistos assim e assado e que é preciso/possível mudar… enfim, nem sequer é original.
- O documento em causa, que andou de mão em mão via e‑mail, em princípios deste ano de 2005, está em vários sítios:Parece algo criado para circulação interna, pueril, feito para mostrar aos amigos (inclui coisas como «talvez», «seria», «bomba “atómica”», «anexamos a Galiza que é mais nossa que deles»). É estranho vê‑lo promovido institucionalmente por uma marca de prestígio (a BBDO).
- O evento escolhido para atrair a atenção mundial, a mudança de bandeira, parece‑me uma escolha ineficaz e pretenciosa. Não impossível, note‑se, mas muito menos “descomplicado” (por um lado, interno) e irrelevante (por outro, externo) do que o promotor o supõe. Veja‑se aqui as datas de última alteração de bandeiras nacionais. Soubemos (o público internacional) das mudanças de bandeira ocorridas ultimamente — as do Ruanda, do Afeganistão, das Comores, da Geórgia…? Mudanças sem impacto no marketing internacional, e causadas por revoluções sociais e políticas, não por campanhas de imagem. (O mui referido Turcomenistão não conta, foi uma alteração de pormenor à bandeira de 1992, tal como em 1997.)
- A investigação vexilológica (páginas 28 a 43 do .pdf), tanto no que concerne à história a bandeira nacional (comparar com isto) como ao parentesco cromático (comparar com isto) está ao nível indigente que é habitual na comunicação social — não chega.
- A criação vexilográfica não eleva o valor académico da componente «bandeira» desta campanha. De facto, os publicitários ainda não compreenderam que conceber uma bandeira, enquanto elemento de branding, tem mais que se lhe diga do que aplicar um logótipo em isqueiros e bonés… A combinação de emblema central sobre fundo azul, especialmente para uma bandeira nacional, é muito má ideia — confunde‑se com as de organizações intergovernamentais e é textbook case para má vexilografia identitária.
- Os detalhes técnicos vexilológicos não valorizam o mau desempenho académico nesta área, estando efectivamente a um nível inaceitavelmente baixo para profissionais modernos da área do design: Qualquer rabiscador de tira‑linhas de há vinte anos faria melhor! Tomou‑se como fonte de ilustrações uma inenarrável publicação do Ministério da Defesa, onde são republicadas (sem crédito!) em grande formato (para impressão a, pelo menos, 300 dpi) imagens criadas em 1996 para ecrã (216 px. de altura!) por um amador de horas vagas. Não se pode deixar de notar os píxeis distorcidos, tanto mais em contraste com as suaves curvas pastel do enquadramento — por que é que ninguém teve “coragem” de redesenhar as imagens das bandeiras?! É tão mau, tão mau mesmo, que (sempre no .pdf da BBDO) a bandeira nacional (“actual”) aparece ilustrada duas vezes — mas usando imagens diferentes! Ironicamente, há já um ano que a Presidência da República disponibliza uma ilustração vectorial de grande qualidade da bandeira nacional, para utilização livre… Naturalmente, o desenho da esfera e do escudo na proposta de fundo azul é mais um para uma longa galeria de representações defeituosas. (E sobre este calcanhar de Aquiles heráldico da bandeira de Portugal curiosamente ninguém da BBDO quis comentar…)
- Quanto aos objectivos reais desta campanha, não partilho de teorias da conspiração. Este caso já animou o meio, mas não prevejo mais que uma efémera tempestade em copo de água. O publicitário em causa já promoveu Cavaco e actualmente contribui para Sá Fernandes, não me parece que traga mais “água no bico” que boas intenções, talento na sua área, e pouco “jeito” fora dela…
- O artigo da revista de ontem (Pública 471: 54‑60, supl. Público 5550, 2005.06.05) contém um pouco (podia ser mais…) de tudo quanto é mau jornalismo: A notícia “fabricada”, a opinião feita facto, a ausência de contraditório, a promoção de uma marca, a (má) investigação por conta do entrevistado… (O artigo de capa é sobre uma colecção de bonecas, o que muito diz…)